Artigo: A culpa é de quem?
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A imagem abaixo me foi enviada por um familiar da paciente para que eu pudesse acompanhar a evolução do caso. Junto à imagem, ela escreveu: “Olha como evoluiu rápido, doutor, está dando muita pena. É muito sofrimento, não pensei que seria tão difícil.”

Além de engolir seco e me colocar à disposição para o que precisarem, o que poderia eu fazer naquele momento? Sensação de impotência me definiu!

Em cerca de 20 anos de Estomatologia e quase esse tanto de docência, inúmeros casos parecidos passaram por mim. Em absolutamente todos, questionamentos me vieram à cabeça. Em quase todos, alunos de cursos e da graduação me questionaram: “Narciso, como deixaram chegar a esse ponto?”
Como de costume, respondo perguntas com outras perguntas: “Quem deixou? A CULPA É DE QUEM?"

Não seria aceitável acreditar que qualquer pessoa simplesmente não se importaria com uma lesão crescendo de forma rápida e destrutiva em sua boca ou na boca de um ente querido. Que conviveria de forma harmoniosa com tal situação. Ahhh, mas ela fumou, usou álcool cronicamente, não se cuidou e não procurou ajuda cedo. A culpa é dela. Será?

Também não quero eu acreditar que qualquer profissional que milite nessa área seja indiferente à uma doença tão séria, devastadora e que possa evoluir de forma tão mutilante. Ahhh, mas ele não viu a lesão no início, não realizou ou solicitou qualquer exame complementar ou não deu a devida atenção ao paciente, tratando-o adequadamente. A culpa é dele. Será?

Seria justo imaginar que um gestor de saúde, seja ele vinculado ao serviço público da metrópole ou interior do país, ou vinculado ao maior serviço privado oncológico com as melhores condições financeiras, seria indiferente às mazelas individuais e coletivas que o câncer pode trazer. Ahhh, mas a corrupção, falta de recursos e de vontade política inviabilizam um bom funcionamento do serviço prestado. Será?

Ok, então!!! A culpa é da doença!!!
Afinal, como lidar com uma patologia que pode, de forma tão rápida e impiedosa destruir tecidos e órgãos, podendo levar à morte? Pronto… achamos a culpada!! SERÁ?

É bastante óbvio que esse assunto, escrito assim de forma tão pobre e em poucas palavras, não se esgote ou tenha um ponto final. É natural que opiniões se dividam e experiências pessoais tragam novos pensamentos. Este texto também foi baseado, em grande parte, em experiências de ambulatórios de Estomatologia, além, é claro, de alguns estudos que abordaram tal tema, portanto nunca poderá ser aceito como verdade absoluta.

Continuemos sempre trabalhando firme, de forma ética, humana e baseada em ciência para que outros casos como esse não voltem a acontecer. Não dependo só da gente, mas também da gente.
Continuemos imaginando que a culpa pode não ser de ninguém, mas também pode ser de todos nós. Cabe a nós fazer a nossa parte e da melhor forma possível. E SEMPRE sem julgamentos.

Autor: Prof. Dr. Narciso Assunção
Doutor em Diagnóstico Bucal pela USP Estomatologista pelo Hospital Heliopolis
Prof. Coordenador da Especialização em Estomatologia ISPO-Santos

CASO CLÍNICO: