Na linha de frente da COVID-19
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De acordo com o Conselho Federal de Odontologia (CFO), a Odontologia Hospitalar é a área da Odontologia que atua em pacientes que necessitam de atendimento em ambiente hospitalar, internados ou não, ou em assistência domiciliar.

A importância dos cirurgiões dentistas nos hospitais ficou ainda mais evidente durante a pandemia da COVID-19, uma vez que o vírus entra pela via aérea, passa pela cavidade bucal e vai para o pulmão, conforme explica o coordenador da Comissão de Odontologia Hospitalar do CFO e membro do Grupo Técnico de Odontologia Hospitalar do Ministério da Saúde, Keller De Martini. “Tivemos de trabalhar muito com esses pacientes na UTI que precisaram ser intubados e pronados, esses tubos machucam e ocasionam mordeduras que causam dor e sangramentos inoportunos, além das consequentes lesões, que podem trazer vários agravos aos pacientes”, explicou o cirurgião dentista e professor do curso de Odontologia da Unimes, que também atua no Hospital São Paulo/Unifesp.

A Odontologia Hospitalar no Brasil, entretanto, já tem um histórico anterior ao enfrentamento do Coronavírus (veja quadro abaixo). O primeiro projeto de lei (PL) apresentado na Câmara dos Deputados foi o de nº 2776/2008, de autoria do deputado federal Neilton Mulim. Tinha por proposta a obrigatoriedade da presença de cirurgiões dentistas nas UTIs e, posteriormente, foi convertido na PL nº 34/2013, tornando obrigatória a prestação de assistência odontológica a pacientes em regime de internação hospitalar, aos portadores de doenças crônicas e, ainda, aos atendidos em regime domiciliar na modalidade home care. Em Santos, a lei de nº 3.444, de autoria do ex-vereador e ex-presidente da Associação dos Cirurgiões Dentistas da Baixada Santista (ACDBS), Braz Antunes, obriga a prestação de assistência odontológica aos pacientes internados nos estabelecimentos de saúde da rede pública municipal e privada. Conheça, a seguir, cirurgiões dentistas e uma TSB que estão na linha de frente da COVID-19 na Baixada Santista. Nesta matéria, incluímos não somente os profissionais que atuam em UTI´s, mas também os que trabalham no cotidiano hospitalar.

Juliana Paulino (Hospital dos Estivadores - Santos/SP)

Juliana é proprietária da OralMed Odontologia Hospitalar Ltda., que presta serviços para o Hospital dos Estivadores

Graduada em Odontologia pela Universidade Santa Cecília (Unisanta) e habilitada em Odontologia Hospitalar pelo Hospital Israelita Albert Einstein, Juliana Paulino foi uma das cirurgiãs dentistas que iniciou, ao lado de Anelisa Bason, o serviço de Odontologia Hospitalar no Complexo Hospitalar dos Estivadores em Santos, no mês de setembro de 2019, seis meses antes da pandemia no Brasil. Esse foi o primeiro serviço feito em hospitais de Santos após a lei 3.444, de autoria do então vereador Braz Antunes. “Sempre gostei do ambiente hospitalar e tive vontade de participar dos cuidados aos pacientes críticos junto à equipe interdisciplinar. Então quando soube que o Hospital Israelita Albert Einstein estava oferecendo o curso de habilitação em Odontologia Hospitalar, imediatamente me identifiquei e fiz minha inscrição, iniciando assim minha formação na área”, lembra a cirurgiã dentista. Ela explica que, em 2019, primeiro ano de trabalho, ainda era uma fase de conhecimento da infraestrutura do hospital e que, quando o serviço de Odontologia Hospitalar começou a ser implantado, a pandemia da COVID-19 estava no início. “Os médicos ainda não tinham conhecimento da nossa atuação e foi preciso um árduo trabalho para conscientizá-los da importância de estarmos inseridas na equipe assistencial”, conta.

A pandemia, na visão de Juliana, favoreceu a entrada de cirurgiões dentistas nos hospitais devido ao enorme aumento de pacientes intubados devido a COVID-19 e, assim, foi necessário estabelecer protocolos de higiene oral. “No meu serviço, houve um grande aumento de pedidos de avaliação odontológica por parte das equipes médicas, o que foi um “start” para o reconhecimento da importância da especialidade em nosso hospital, com os bons resultados obtidos. Passamos também a ministrar treinamentos para as equipes de enfermagem, nos aproximando desses profissionais e os tornando mais engajados com a higiene oral e a manutenção da saúde”.

Para ela, o grande desafio da Odontologia Hospitalar é fazer chegar aos gestores da saúde os benefícios da inserção do cirurgião dentista nas equipes interdisciplinares hospitalares, que incluem a redução de custos, com prevenção de episódios de pneumonia associada à ventilação mecânica e a diminuição do uso de antibióticos.

Victor Teixeira (Santa Casa de Santos, Santos-SP)

Victor Teixeira é cirurgião buco-maxilo facial e atua na Santa Casa da Misericórdia de Santos, além de ser
professor universitário

Cirurgião dentista especialista em Cirurgia e Traumatologia Buco Maxilo Facial, Victor Perez Teixeira atua no serviço de Traumatologia da Santa Casa da Misericórdia de Santos há pouco mais de um ano. Embora sua atuação não seja em UTI, Victor relata que o seu trabalho no hospital ganhou uma importância ainda maior, especialmente no cenário da pandemia. “Algumas vezes acontecia de atendermos um paciente politraumatizado que, além de suas fraturas, durante a sua admissão no hospital, acabava tendo diagnóstico de COVID. Nesse caso, tomávamos todos os cuidados de biossegurança necessários durante nosso acompanhamento”.

Victor explica que a cirurgia buco maxilo facial é responsável por diagnosticar e tratar todos os tipos de fraturas que uma pessoa pode ter no rosto. “Acidentes de trânsito, agressões e quedas são alguns exemplos. Por mais que na pandemia tenham diminuído em função das pessoas saírem menos às ruas, em contrapartida, as quedas e acidentes domésticos aumentaram”. Quando Victor iniciou na Santa Casa, em 2021, acontecia o segundo lockdown (em meados de março). “Lá, posso dizer que foi e ainda é o grande termômetro da pandemia. Por ter a maior quantidade de leitos da região e pelo importante papel tanto do SUS quanto da parte de convênios, o hospital assumiu muitas das internações dos casos graves, o que refletia no meu trabalho enquanto cirurgião dentista”, concluiu.

Narciso Assunção (Hospital Municipal de São Vicente e de Cubatão)

Narciso Assunção atua como Estomatologista em dois hospitais municipais da Baixada Santista

Especialista na área de Estomatologia, que tem por objetivo a prevenção, o diagnóstico e o tratamento das doenças próprias do complexo maxilomandibular e das manifestações bucais de doenças sistêmicas, além das repercussões bucais do tratamento antineoplásico, o cirurgião dentista Narciso Assunção atua nos Hospitais Municipais de São Vicente e de Cubatão. “Comecei nas Unidades Básicas de Saúde e, posteriormente, passei a trabalhar em Pronto Socorro”, explica.

No início da pandemia e com o lockdown, ele lembra que o atendimento odontológico chegou a diminuir um pouco por medidas de segurança. “No início, tivemos que nos adaptar à nova realidade, em especial com biosseguranca e equipamentos de proteção pessoal. Também nos perguntávamos se haveria material para os cirurgiões dentistas em tão pouco tempo e em suficiente quantidade”, lembra. Na Estomatologia, ele explica que, por conta da necessidade do diagnóstico, as atividades precisavam continuar, apesar dos eventuais riscos de contaminação.

Palavra do Especialista: Keller De Martini

Coordenador da Comissão de
Odontologia Hospitalar do Conselho Federal de Odontologia (CFO)

Referência em Odontologia Hospitalar no Brasil, Keller De Martini é formado em Odontologia no ano de 1992, com especialização em Periodontia pela Universidade São Francisco, em São Paulo. “Estava prestes a fazer a segunda especialização, em Implantodontia, quando fui chamado por um amigo médico de Santo André que era diretor-superintendente do Hospital Universitário de São Bernardo do Campo.

À época, me convidou para cuidar das pacientes gestantes do hospital, porque ele já enxergava os cuidados necessários com a cavidade bucal, onde as bactérias poderiam trazer agravos à elas e aos recém-nascidos, com consequências graves como partos prematuros. Acabei me apaixonando pela área”, contou. Inseriu um atendimento de protocolo na UTI deste hospital e, a partir daquele momento, foi sendo construído um trabalho de anos na área, tornando-se membro da Câmara Técnica de Odontologia Hospitalar pelo CROSP e membro do Grupo Técnico da área do Ministério da Saúde. Na Baixada Santista, com a parceria entre o Hospital Municipal de São Vicente e a Unimes, participou junto à equipe de Odontologia Hospitalar, capacitando os alunos dentro das UTIs e também ajudando a introduzir a Odontologia Hospitalar no curso de Odontologia da universidade.

A importância das ASB/TSB´s na Odontologia Hospitalar

Vanessa Alves é TSB e atua nas cidades de São Vicente e Cubatão, na Baixada Santista

Técnica em Saúde Bucal (TSB) desde 2010 e com experiência em hospitais há 13 anos, Vanessa Nascimento Alves trabalha nos Hospitais Municipais de São Vicente e Cubatão, dando todo o suporte necessário para a atuação dos cirurgiões dentistas nos plantões. “A importância do TSB para o trabalho do cirurgião dentista é justamente o trabalho em equipe. Há todo um preparo no cuidado da higiene oral do paciente internado, fisioterapia com calor, orientação ao paciente e ao profissional e no auxílio com a escovação. Mas ainda penso que temos um trabalho grande a fazer, aumentando ainda mais a atuação de nós, ASB ou TSB. Nossa atividade tende a melhorar muito na hora dos procedimentos”, destacou.

Em tanto tempo de atuação hospitalar, Vanessa comentou que nunca viu algo como a COVID-19. “Fiquei bem assustada com essa pandemia. Ainda não havia presenciado uma doença tão avassaladora. Com o passar dos meses, fomos nos atualizando e participando de várias palestras sobre a doença”, lembra. “Minha maior dificuldade como profissional foi lidar com o desconhecido. Não sabíamos como nos comportar de início, se atendíamos os pacientes ou não, por quanto tempo a sala/consultório precisaria ficar sem uso, para que o próximo paciente pudesse entrar, se poderia ligar a caneta de alta rotação ou não, atender ou liberar o paciente, fazer o procedimento ou apenas medicar e dispensar. Foi difícil”. Para Vanessa, a pandemia trouxe o benefício da melhoria dos cuidados com o paciente e também com o trabalho dos profissionais de Odontologia. “Desde o nosso EPI, com assepsia local, passamos a ficar mais cautelosos, sempre preocupados e preocupadas com as infecções cruzadas. Mas sem dúvida, a melhor parte do nosso trabalho é atender a população, em especial, os mais carentes pelo SUS”, destacou.