A gestação é, talvez, o momento de maior intensidade de sentimentos para uma mulher. Repleto de muita alegria e, também, algumas dúvidas, ansiedade e insegurança que apenas um momento transformador como este é capaz de carregar.
Ocorrem diversas alterações na rotina daquela mulher. Exames de imagem e laboratoriais, consultas com obstetra, compra de enxoval etc. Toda sua atenção ficará, por um bom tempo, voltada àquele bebê tão aguardado. A dieta pode se modificar, aumentando a ingestão de alimentos entre as refeições, muitas vezes para diminuir ansiedade ou mesmo amenizar náuseas. Isto pode provocar um descuido da gestante quanto aos cuidados com a boca.
Desta forma, sua boca poderá ser sede de diversos problemas odontológicos ou agravamento de situações pré-existentes.
Não é novidade que a saúde bucal pode influenciar negativamente a gestação. Desde a década de 80, a literatura se mostra clara, com diversos estudos mostrando ligações entre focos infecciosos e o parto pré-termo1.
Mais recentemente, outros estudos mostraram a doença periodontal como causadora de partos prematuros2.
Segundo a Secretária do Estado da Saúde oito entre dez gestantes apresentam algum tipo de alteração bucal, como placa bacteriana, cárie e gengivite e sabe-se que as alterações hormonais ocorridas durante a gestação podem agravar problemas inflamatórios pré-existentes3.
Estes motivos levaram a uma crescente atenção à saúde bucal das gestantes durante o pré-natal, inclusive com políticas públicas fomentando e gerando prioridade a estas mulheres no atendimento odontológico nos ambientes do Sistema Único de Saúde. Desta forma, podemos imaginar estas mulheres sendo tratadas integralmente e minimizando drasticamente complicações de correntes da presença de focos infecciosos bucais.
Porém, nem sempre é o que acontece. Seu atendimento é cercado de muitos mitos e verdadeiros tabus que percorrem as mentes de dentistas e futuras mães que viraram verdadeiros empecilhos à promoção de saúde:
" A gestante não pode ser anestesiada.”
“Os dentes ficam mais fracos durante a gestação.”
“Durante a gravidez não pode fazer raio-x.”
“Um dente perdido por gestação.”
“Medo de que o atendimento odontológico possa trazer algum risco a vida do bebê.”
“Vamos esperar o bebê nascer. Aí você volta e fazemos o tratamento.”
Com tantos medos e limitações aparentes, essa mulher, caso tenha dor, ficará fadada ao uso do “paracetamol 500 mg a cada 6 horas” – o paracetamol é a droga analgésica de escolha em gestantes.
Receios desta natureza recaem, não só sobre os cirurgiões dentistas, mas, também, sobre as futuras mães. Cerca de 1/3 das gestantes acham que não podem ser anestesiadas no dentista4.
A literatura é bastante clara no que diz respeito ao melhor anestésico local a ser utilizado em gestantes.
A lidocaína com epinefrina é a combinação de escolha para estas situações. Erroneamente, alguns colegas tendem a pensar que o vasoconstritor é o vilão, escolhendo assim utilizar anestésicos sem vaso, porém o uso dos vasoconstritores em tubetes anestésicos têm como principal função a diminuição de fluxo sanguíneo local, levando a menor velocidade de absorção da droga, aumentando consideravelmente seu tempo de duração. Desta forma, diminuiremos o volume necessário e, por consequência, aumentaremos a segurança5.
Não há qualquer impedimento ao atendimento odontológico de gestantes, incluindo restaurações, tratamentos de canal e, eventualmente, até extrações. Claro que o bom senso tem que nortear todas as nossas ações. Ninguém pensará em aproveitar este momento para extrair aqueles 4 terceiros molares inclusos que, há muito tempo, está sendo postergado. Entretanto, caso haja, por exemplo, uma fratura longitudinal de um pré-molar superior que inviabilize sua recuperação, poderemos lançar mão da exodontia, pois haverá claro benefício gerado pelo procedimento.
Informações a respeito do pré-natal são essenciais para que o cirurgião-dentista posso analisar cada caso e propor o tratamento necessário. Medicações em uso, complicações durante a gestação, hipertensão ou diabetes gestacional são algumas das informações a serem questionadas em nossa anamnese.
O atendimento a gestantes é essencial na promoção de saúde durante este período tão especial. Não há algo mais prejudicial à esta futura mãe do que a dor, pois esta sim poderá levar, além de diminuição de sua qualidade de vida, estímulos à contração uterina e consequentes partos prematuros.
O mesmo raciocínio é válido para qualquer atendimento odontológico que se faça necessário. O cirurgião-dentista deverá se preocupar em conduzir o procedimento com atenção, não só à segurança de mãe e filho, mas também, e não menos importante, ao conforto, redução da dor e remoção de possíveis focos infecciosos.
1 - Minkoff H, Grunebaum AN, Schwartz RH. Risk factors for prematurity and premature rupture of membranes: a prospective study of the vaginal flora in pregnancy. American Journal Obstetrics and Gynecology. 1984;150(8):965-72.
2 - Teshome A, Yitayeh A. Relationship between periodontal disease and preterm low birth weight: systematic review. Pan Afr Med J. 2016;24(1):215.
3 - Trindade SC et al. Condição bucal de gestantes e puérperas no município de Feira de Santana, em três diferentes períodos entre os anos de 2005 e 2015. Epidemiologia e Serviços de Saúde. 2018;27(3): e2017273.
4 - Bastiani C et al. Pregnant's knowledge about oral alterations and dental treatment during pregnancy. Odontol. Clín.-Cient.. 2010;9(2):155-160.
5 - Fayans EP, Stuart HR, Carsten D, Ly Q, Kim H. Local anesthetic use in the pregnant and postpartum patient. Dent Clin North Am. 2010 Oct;54(4):697-713.
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